Por que seu Levi fugiu da Igreja?

O culto do domingo à noite começava oficialmente às 19 horas na Assembleia dos Testemunhas Fieis. Apesar do horário combinado entre o missionário-pastor Antero e a congregação na pequena vila de Capão Dourado, grande parte dos crentes por variadas razões nunca chegava no horário certo. Muitos vinham de longe, das roças da vizinhança. E os mais pontuais tinham um costume ruim: eles começavam a encher a capelinha a partir dos últimos bancos. Ela só chegava a ficar razoavelmente cheia por volta das 20 horas.

Vamos tentar entender o problema. A despeito de ser uma pessoa boníssima, humilde e de procurar atender às necessidades de suas ovelhas visitando-as em suas casas, algumas das características do pregador eram complicadas. Sua voz era bem fraquinha, meio rouca, e era difícil para as pessoas acompanhá-lo. Muitas vezes mal dava para se entender o final das frases de seus sermões. Algumas pessoas diziam que ele não era muito “espiritual”, sem contudo explicarem realmente o sentido desta expressão. Outras não admitiam essa afirmação. Diziam, inconformadas: Não é verdade. Suas orações, sim, eram ouvidas. A comprovação: D. Ercília fora curada depois de sua oração a seu favor. Vamos e venhamos, sua espiritualidade e sua pregação eram coisas distintas. Uma coisa nada tinha a ver com outra. Só que, de fato, o andamento culto realmente provocava sonolência no povo!

E havia algo mais. As lâmpadas do templo ficavam a uma altura meio baixa e sua luz incomodava os olhos do pessoal. Os diáconos até haviam aconselhado que tivessem fios mais curtos, mas o presidente da Junta Diaconal, homem difícil de convencer, teimara em deixá-las naquela posição. Além do mais eram bem fraquinhas. A atmosfera interna ficava meio mortiça. Junte-se esta iluminação deficiente à voz monótona do pastor: já era difícil demais para seu Levi. Este, além de tudo, tinha uma deficiência auditiva já pronunciada. Era entrar na igreja, acompanhar o primeiro hino e, zaz. Quando o pastor começava a pregar, ele ia fechando os olhos e adormecia. O som do culto lhe parecia um murmúrio e o hipnotizava. D. Orminda, irritada, já havia chamado a atenção do marido uma porção de vezes. Ele – coitado! – fazia todo o esforço possível para se manter acordado. Várias vezes até levava umas balas para chupar e não dormir. Tudo em vão.

Os demais membros da igreja nem se importavam mais com isso. Já tinham se acostumado ao fato. O sono de seu Levi parecia vinculado ao volume dos sons no ambiente do templo. Quando o sermão terminava, o ultimo hino era cantado e a bênção final caía sobre a congregação, aquilo aparentemente dava o sinal combinado! O silêncio fazia toda a diferença. Ele acordava imediatamente. Era sempre assim. A esposa até já havia se convencido de que as coisas eram inevitáveis e, pronto! Vamos nos levantar e voltar para casa. 

No entanto, naquela noite de forte calor ocorreu algo inesperado. Não havia uma aragenzinha sequer para reduzir a temperatura abafada e quente resultante do forte dia de sol. 

O culto se iniciara com um hino de louvor, cantado sem muito entusiasmo pela sonolenta congregação. Quando terminou, o missionário Antero teve a triste ideia de pedir ao irmão Tito para fazer a oração inicial. Por que triste? Porque esse idoso senhor costumava esquecer-se da hora ao dirigir a oração! Começava com muitos louvores, desenvolvia uma longa afirmativa de gratidão pelas bênçãos recebidas, seguia por um momento de confissão de pecados e logo emendava uma sessão de preces pela irmã fulana, pelo irmão cicrano muito doentes e várias outras pessoas. Em poucos minutos ocorreu a magia de sempre: seu Levi mergulhou no sono habitual! 

Depois daquela longa oração, quando Tito finalmente disse “Amém”, os poucos ainda de pé seguiram o exemplo daqueles que haviam desistido de esperar o fim da prece e se assentaram. Era a hora da leitura bíblica. O pastor havia escolhido uma passagem pouco conhecida do Antigo Testamento e precisou fazer um esboço mais detalhado para seu sermão. Mas aí, ô falta de sorte, faltou energia! Não só na igreja, mas em toda a vizinhança! A quase total escuridão da noite sem lua não permitia nem mesmo a leitura do texto. 

– Meus irmãos e minhas irmãs – disse o pastor – não nos perturbemos com isto. A luz deve voltar em um minuto. Vamos aproveitar para meditar um pouco. Vamos orar em silêncio, pedindo as bênçãos necessárias para nossas vidas! 

Ah, que inoportuna proposta do pastor! Quando o silêncio caiu sobre a congregação da Assembleia dos Testemunhas Fieis aquilo pareceu a seu Levi ser o costumeiro momento final do culto! Ele acordou e abriu os olhos. Não dava para ver nem o vulto de D. Orminda a seu lado. Ele não percebeu a presença de ninguém. A capela parecia estar vazia. Primeiro ficou assustado. Em seguida se pôs furioso e xingando uns palavrões falou em voz bem alta! 

- Cambada de gente ingrata. Foram embora e me deixaram sozinho aqui na igreja! Desgraçados... 

Ihhhhh....

Comentários

  1. Muito bom. Conheço um caso em que o dorminhoco estava na ponta do banco, na parte em balanço e quando todos se levantaram para o cântico final ele veio ao chão soltando aquele tradicional palavrão de saudação materna

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