“Por que ele não festeja o Natal?”

Anushka tinha seus 16 anos e morava em Ayodhya, na Índia. Ela queria saber de seu pai por que o idoso Sr. Shareef não festejava o Natal, como sua família e outros vizinhos cristãos. O Sr. Manoj já havia lhe explicado uma vez que o nascimento de Jesus não era tão importante para os seguidores de outras religiões. O velhinho era muçulmano e, portanto, o Natal para ele era um dia como qualquer outro. Para ele, a Bíblia – apesar de reconhecida como um livro a ser respeitado – não tem a mensagem fundamental que está no Corão, que ele acredita – como todos os muçulmanos – ter vindo diretamente de Alah.

Isto não fazia sentido para Anushka. Jesus não era aquele que havia ensinado tanto sobre o amor? Por que não festejar o seu nascimento? Foi preciso que seu pai lhe contasse uma história verdadeira. Ela precisava conhecê-la.




O Sr. Shareef, cujo primeiro nome é Mohamed – tal como o do profeta maior do Islam – tinha um filho chamado Mohamed Rais. Aos 25 anos de idade, ele trabalhava como químico na cidade de Sultanpur. Um dia, no ano de 1992, o jovem desapareceu em meio a uma série de sangrentos conflitos entre muçulmanos e hindus, ocorridos em vários lugares do país. Houve milhares de mortos. A polícia só comunicou seu desaparecimento e sua morte a seu pai um mês depois do acontecimento. Mesmo assim as autoridades não sabiam dizer como ele morrera ou onde. Ninguém sabia onde fora parar o seu corpo. Só lhe entregaram as roupas do rapaz. Disseram-lhe que seus restos haviam se decomposto! O Sr. Shareef e sua esposa, Sra. Bibi, ficaram desolados. Ela nunca se recuperou plenamente destes fatos desastrosos.

Alguns meses depois disto, o Sr. Shareef presenciou algo que acabou por arrebentar seu coração. Ele viu alguns policiais jogarem um corpo no Gomti, o rio que corta a cidade de Sultanpur. Era ali que eram jogados os corpos de mortos não reclamados por seus familiares. A dor da perda do filho se tornou mais forte porque a família não conseguiu enterrar adequadamente o jovem Mohamed. Isto era inaceitável!

Esta descoberta o levou a uma decisão: "Acho que o corpo do meu filho deve ter sido jogado no rio, assim como outros corpos. Decidi que no meu distrito não deixaria nenhum corpo não identificado ser jogado no rio", disse ele.

Segundo o Sr. Shareef, a perda de um familiar nestas condições é “uma dor pela qual ninguém mais deve passar”. E prometeu: “A partir de hoje serei o guardião dos cadáveres abandonados e lhes darei um funeral adequado". Ele informou à polícia que estava disposto a assumir aquela tarefa, algo maldito em uma sociedade hindu. Quem lida com um cadáver ali é considerado uma pessoa intocável. Mesmo sendo muçulmano ele não estava isento desta maldição social.

Desde então, em todo este tempo ele vem cumprindo esta promessa, independentemente da religião do falecido. Depois de banhar o corpo, se percebe que a pessoa havia sido muçulmana, ele a envolve em um lençol, recita as orações apropriadas e providencia sua sepultura. Se o corpo é de uma pessoa hindu, ele providencia sua cremação.

Ninguém sabe quantos foram os mortos a quem ele deu os cuidados finais dignos de um ser humano e quantas famílias não precisaram passar pela imensa tristeza de ver os corpos de seus queridos desprezados e jogados no rio. O Sr. Anuj Kumar Jha, chefe da administração do distrito de Ayodhya, disse: "Nossa estimativa é que já lhe entregamos cerca de 2.500 corpos". Mas a família do Sr. Shareef diz que ele deu os últimos ritos a mais de 5.500 pessoas! Durante anos ele fez isto com seus próprios recursos, extraídos de seu trabalho na humilde oficina de bicicletas. Agora, alguns lojistas da cidade e mesmo o governo do país passaram a ajudar o octogenário Sr. Shareef a cobrir suas despesas pessoais e familiares.

O Sr. Manoj, terminou sua narrativa e se calou. Anushka lhe agradeceu respeitosamente e respeitou seu silêncio. Então, pediu licença, foi se assentar em um banco em frente à sua casa, e se pôs a pensar profundamente. Para ela, seu pai não havia respondido à pergunta que a vinha preocupando. Ou será que havia?

Foto: Mohd Shabbir

Texto original de Swaminathan Natarajan e Khadeeja Arif

Extraida de BBC World Service

(fonte e foto: https://www.bbc.com/news/world-asia-51545344)


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