O grande sonho de Grażyna!

Maria Geralda cruzou os dedos diante da boca e disse:

 - É verdade, meninas, não estou mentindo!

E repetiu o pronome com a maior ênfase: eu! Talvez suas amigas não acreditassem na sua palavra. E tinha razão. Todo mundo sabia do grande sonho de Grażyna: estudar piano em Varsóvia, a terra de Chopin e de seus antepassados. Agora, porém, vinha aquela notícia inesperada.

Há muito tempo ela vinha articulando as coisas e torcendo para darem certo. Havia escrito para algumas escolas, consultado seus professores sobre como isso podia melhorar seu domínio do instrumento, visitado a embaixada do país em Brasília, enfim, por muitos anos ela acalentou este sonho carinhosamente. Toda gente de sua família e da vizinhança sabia disso. Mas, sabia algo mais. Tendo poucos recursos precisava encontrar respostas para algumas questões impossíveis de contornar. Como conseguir os recursos para a viagem, a estadia no estrangeiro, a hospedagem, as taxas e custos do curso pretendido? Sonhos costumam custar caro! E este iria custar caríssimo.

O mistério da história começava aí. De repente ela passou a anunciar: tudo estava arranjado. A viagem estava prevista para março do ano seguinte. Se as pessoas perguntavam como havia conseguido isso Grażyna desconversava ou inventava uma história estranha sem muitos detalhes. Um anjo havia dado um empurrãozinho e as peças haviam encontrado magicamente seu lugar no tabuleiro! E ficava nisso. 

Na embaixada ela tinha conhecido o senhor Witold Jarosinski, um homem de aparência muito distinta, delicado, também musicista. Parecia uma pessoa séria. Ele se mostrou bastante disposto a ajudá-la a resolver estes problemas, pelo menos parcialmente, sublinhou. Podia conseguir um emprego para ela em Varsóvia, coisa modesta, claro, mas o salário lhe permitiria pagar mesmo sem folga as altas despesas à frente. 

Contatos posteriores entre os dois foram acertando grandes e pequenos detalhes. Um destes, aparentemente simples, era a questão de como provar à embaixada que ela teria meios de sustento por lá. Sem isto ela não conseguiria o visto de permanência. O Sr. Witold imaginou um jeitinho bem brasileiro, aprendido no Rio de Janeiro, mas bem conhecido em muitas outras partes deste mundo. O tal jeitinho é universal! 

- Tenho um amigo comerciante por lá. Não é rico, mas está bem estabelecido.  Ele pode declarar que você vai ajudar em traduções de e para o português. Não vai poder pagar muito, entende? Ele pode declarar que vai pagar 4.000 zlotys mensais, mas lhe pagar apenas 3.600. Já ajudou outras pessoas assim. É o suficiente para viver com alguma folga. Se você aceita, vou lhe escrever dando o seu nome e endereço e vocês se acertam.  

Combinado. Já era o mês de setembro quando chegou uma carta registrada do Sr. Stanisław, o comerciante de Varsóvia. Ele confirmava em papel timbrado de sua empresa, carimbado pelo notário público, o prometido pelo Sr. Witold, dando-lhe algumas instruções. Grażyna deveria escrever duas cartas, ambas à mão, uma para ele e outra para acompanhar o pedido de visto à embaixada. Na primeira ela deveria declararia aceitar a proposta de trabalhar por um salário – no caso 4.000 zlotys – e receber apenas 3.600. Na segunda ela apenas declararia à embaixada o valor cheio a receber durante o tempo dos estudos. Com isto ela seguramente conseguiria o visto e tudo estaria resolvido. Parecia tranquilo. 

Cuidadosamente, caprichando na escrita, pois não estava acostumada àquela porção de acentos e sinais sobre algumas letras não existentes em português, Grażyna, seguiu as instruções recebidas. Por sorte sua já falecida mãe lhe havia ensinado a falar e a escrever o difícil idioma de seus avós. Ela leu os textos duas ou três vezes seguindo as linhas com a ponta da caneta. Tudo pronto, ela as dobrou e as pôs nos envelopes já prontos sobre a mesa. Com o coração batendo mais forte ela as enviou pelo correio. Sob registro e AR, claro, para garantir a entrega.  

Maria Geralda virou-se para as amigas, cruzou novamente os dedos diante da boca e disse:  

- Mas aí entrou areia no negócio! Sem se dar conta ela trocou os envelopes! Quando a secretária da embaixada percebeu o golpe sendo engatilhado, tratou de mostrá-la ao chefe. O grande sonho de Grażyna deu em nada! É verdade, gente, eu não estou mentindo! Posso jurar!


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