Feriado municipal

 

- Dona Vita, vim entregar este pernil, a pedido do seu Gonçalves. Ele mandou dizer que é para a senhora temperar bem. É para fazer um almoço mais completo, amanhã.


- Amanhã? Mas amanhã é quinta feira. O feriado é na sexta. Olha o calendário: 1985. Hoje é 13 de novembro. Não pode ser...


- Eu não entendi bem, mas ele falou que morreu não sei quem, e que amanhã vai ser feriado municipal.


D. Vita não se preocupou muito com a explicação. O pernil estava pago, isso é o que importava. Teriam um almoço bem melhor no dia seguinte.


Seu Gonçalves tinha ouvido a história na Prefeitura onde trabalhava. Todos os funcionários comentavam a notícia. Era triste para muita gente, mas acabava sendo boa para todos. O presidente da Câmara Municipal, o Dr. Ventura, tinha morrido. Era uma pessoa austera, mas caridosa, apreciada por muitos. Agora passaria a ser apreciada por toda a cidade, pois, morrendo no exercício do cargo, dava feriado. Mesmo que nem todos fossem a seu enterro, certamente todos poderiam dormir até mais tarde, passear, viajar mesmo, emendando o fim de semana. Sexta feira já seria feriado nacional. Agora então?


Quando Glorinha deu um pulo à Rodoviária, a fim de pedir que reservassem para ela uma passagem para São Paulo, não aguentou e disse a seu Finório que no dia seguinte seria feriado. Ela também trabalhava na Prefeitura e tinha ficado sabendo do fato. O vendedor comunicou a seu Alberto, o proprietário da companhia de ônibus e ele, esperto, logo providenciou dois horários extras para o dia seguinte. Muita gente, com toda a certeza, aproveitaria o feriado prolongado para uma esticada à Capital do Estado. Lá haveria expediente regular, pelo menos no dia 14. Ia ser ótimo aproveitar para umas compras de tecidos ou sapatos na Moóca.


Foi aí que correu outra notícia pelas seções da Prefeitura: o prefeito, o Dr. Sales, ainda não tinha assinado o decreto estabelecendo o dia seguinte como feriado municipal. Mas por quê? As especulações logo começaram. A conclusão, porém, foi unânime, apoiada por uns, criticada por outros. Certamente era por ser o prefeito do PMDB e o presidente da Câmara do PT. Eles tinham sido eleitos em 1982 e, apesar de amigos antes disso, acabaram em campos políticos opostos. Já se viu que imoralidade, numa hora destas? Ficar pensando em política, diziam alguns. Afinal era preciso levar em conta o homem, a pessoa humana, a projeção na municipalidade, fosse de que partido fosse. Os petistas já diziam:


- Se o prefeito fosse do PT e o presidente da Câmara fosse do PMDB, garanto que o decreto já teria sido assinado.


Os peemedebistas - embora concordassem que aquela não era hora para estas picuinhas - defendiam o prefeito. Afinal, embora fosse mesmo um homem digno de todo o respeito, o Dr. Ventura tinha feito umas críticas muito fortes à Prefeitura. Críticas sem fundamento, diga-se de passagem.


No gabinete, o prefeito tinha diante de si o decreto já datilografado. Hesitava, porém, em assiná-lo. Não tanto porque fosse do PMDB e o outro fosse do PT. É que ele queria ter mesmo a certeza de que o falecimento tinha de fato ocorrido. Ninguém tinha confirmado a notícia. Assinar um decreto desses, que paralisaria toda a cidadezinha no dia seguinte, exigia uma cautela a mais. Todo o comércio fechado, redução nos lucros, menor renda, já pensou? E os prejuízos das vidraças do Grupo Escolar? Estas sempre apareciam quebradas, a cada vez que a molecada ficava sem a obrigação de ir à aula e não encontrava outra diversão, exceto a de ver os vidros se estilhaçarem. Sem falar numa porção de outras coisas, que podiam acontecer nos bares da cidade, cheios de gente desocupada, sem serviço. Ainda mais que na sexta feira já haveria outro feriado. A cidade iria ficar morta, durante todo o fim da semana!


- D. Silvia, mande perguntar na Santa Casa a que horas morreu o Dr. Ventura e a que horas, no máximo, poderá ser realizado o sepultamento. Eu nem soube que ele tinha sido acidentado. Tão logo eu acabe de despachar estes papéis, irei pessoalmente estar com os familiares dele. Afinal é preciso criar um clima de entendimento com a oposição.


O telefone da Prefeitura estava com defeito. Para variar. A secretária mandou que o contínuo tomasse a caminhonete da Prefeitura e fosse à Santa Casa, saber os detalhes: a que horas tinha acontecido o acidente, como, em que lugar. A que horas tinha falecido o Dr. Ventura? Já tinham sido tomadas providências para o sepultamento? A família deveria ser avisada que a municipalidade se encarregaria das despesas. O corpo deveria sair do saguão da Câmara. Aliás, podia passar por lá, na volta, avisar ao secretário para que se encarregasse dos preparativos.


Quinze minutos apenas e já seu Fafá estava de volta. Meio confuso. Meio? Não. Confuso por inteiro.


- D. Sílvia, disse o contínuo, o corpo do Dr. Ventura não está na Santa Casa. Aliás o pessoal de lá nem sabia do acidente. Ficaram todos espantados, quando eu perguntei. Por isso achei melhor nem passar na Câmara.


Tinha feito bem, disse a secretária. Ficasse ali por perto, porque certamente iam precisar dele, a fim de descobrirem o que tinha de verdadeiro na notícia. O prefeito achou melhor não assinar ainda o decreto. E já eram duas horas da tarde. Mas se não o assinasse, como providenciar para que ele fosse publicado no Vanguarda Municipalista, que deveria sair na manhã seguinte? A folha era semanal, saía sempre às quintas feiras. Não teria graça publicar o decreto só na semana seguinte, depois que todo mundo já tivesse aproveitado o feriado. Iriam até gozar o Dr. Matos, o proprietário-redator-jornalista daquela aventura da imprensa interiorana.


Para ganhar tempo, D. Sílvia mandou o decreto para o jornal, mesmo sem a assinatura. Com uma recomendação: o tipógrafo devia compor a matéria, mas, ao mesmo tempo, preparar qualquer outro texto que ocupasse o mesmo espaço. Assim, caso o decreto não fosse assinado, era só fazer a substituição, coisa fácil em uma tipografia pequena. A secretária mandaria a confirmação até as dezessete horas, quando a edição seria fechada.


Dr. Matos não era lá um grande profissional na imprensa, embora fosse um bom promotor. Isto, no entanto, não o impedia de saber explorar bem um acontecimento. Quando recebeu a nota, percebeu que não podia deixar o decreto sair em um canto de página qualquer. Não é todo o dia que morre o presidente da Câmara dos Vereadores. Com o material que tinha usado para a campanha eleitoral anterior, compôs rapidamente uma curta biografia do falecido. Pôs a notícia na primeira página. Arranjou uma boa manchete. Condolências à família, que não deve faltar a um jornal que se preze no interior, foram compostas às pressas. E, certamente, um elogio ao Dr. Ventura. Os detalhes da morte? Bem, coisa desprezível...


Mas uma coisa preocupava a D. Sílvia ansiosa para esclarecer os acontecimentos, assim o exigia o prefeito. Quem tinha trazido a notícia à Prefeitura? Pergunta a um e a outro, acabou descobrindo. Tinha sido o Carlinhos, varredor, eletricista, encanador, o faz-tudo da Câmara. Ele é quem tinha passado pela porta da Prefeitura e mandado o funcionário do Caixa dar o recado ao prefeito. Quando quiseram perguntar maiores detalhes, o rapaz já tinha saído, certamente para ir dar a notícia a outras pessoas.


Seu Fafá foi mandado outra vez à rua. Desta vez à própria Câmara, a ver se encontrava o Carlinhos, por lá. Quando regressou à Prefeitura passava das três e meia. O pessoal estava ficando intrigado. Alguns funcionários estavam ficando mesmo preocupados. Já tinham tomado até providências para o dia seguinte e o prefeito ainda não havia assinado o decreto!


- D. Sílvia, o Carlinhos disse que a noticia foi dada a ele pessoalmente, pelo seu Cláudio Carvalho, o vereador. Ele passou pela Câmara hoje, pela manhã, às onze horas, mais ou menos, e disse que o Dr. Ventura estava à morte, por causa de um acidente com o carro dele. Rolou pela ribanceira abaixo.


- Espere aí, ele estava à morte? Ou estava morto?


- O Carlinhos não sabia dizer. Transmitiu a notícia do jeito que a recebeu.


A dúvida ficou maior ainda. Por via das dúvidas, D. Sílvia pediu a seu Fafá que trouxesse o Carlinhos à Prefeitura. Desta vez foi mais rápido. A picape ajudava bastante. Da primeira vez o contínuo tinha demorado porque o próprio Carlinhos não tinha chegado à Câmara Municipal.


- Não, D. Sílvia, eu não disse que o Dr. Ventura estava na Santa Casa. Eu disse ao seu Fernando, lá no caixa, que ele devia estar internado, pois o seu Cláudio tinha me dito que o Dr. Ventura estava à morte. Isso de Santa Casa deve ter sido invenção do seu Fernando. 

D. Silvia mandou que ele esperasse um pouco e pediu a seu Fernando que desse um pulinho até o gabinete do prefeito.


- A senhora me desculpe. Se eu falei Santa Casa é porque é o único hospital da cidade. O Carlinhos falou que o homem devia estar internado e só podia ser lá.


- D. Sílvia, tá vendo? Eu não disse que ele estava na Santa Casa. Pode ser que ele tenha sido levado direto para Taubaté e estar internado lá. É fácil de a gente descobrir. É telefonar para o hospital de lá e ver se o Dr. Ventura foi internado. E se ele morreu mesmo!


Seu Fafá recebeu o novo encargo. Ir ao posto telefônico, ligar para a cidade grande da região e descobrir se o Dr. Ventura tinha sido internado por lá. A tarefa foi negativa em dois aspectos. Primeiro, o Dr. Ventura não foi localizado. Segundo, com isso passou-se mais meia hora.


Daqui a pouco o expediente ia se encerrar e a dúvida continuaria. Os funcionários deveriam voltar no horário costumeiro no dia seguinte? Como informar a todo o comércio no caso de o feriado ser decretado? E os pais dos alunos? As crianças só saberiam que não haveria aula quando chegassem à escola. Voltariam para casa? Ficariam brincando pelas ruas? Seus pais ficariam pensando que seus filhos estariam na escola, quando, na verdade, eles podiam estar vagueando, talvez indo para os lados do rio, meu Deus! Por que é que o Dr. Ventura não escolheu vir morrer ali, no meio de todo mundo? Assim o prefeito podia decretar o feriado logo, acabar com aquela enervação.


- O jeito é mandar o seu Fafá procurar o vereador Cláudio, saber outros detalhes.


A resposta veio por escrito.


“Ilma. Sra.


D. Sílvia Machado


Dd. Secretária da Prefeitura Municipal


NESTA


Prezada D. Sílvia,


Está havendo algum engano na história que está circulando na cidade. Na verdade quem levou à Câmara Municipal, hoje pela manhã, a triste notícia do acidente com o Dr. Ventura, fui eu mesmo. Comuniquei-a a nosso ‘office-boy’. Disse-lhe que o carro do presidente da Câmara, Dr. Alberto Ventura, despencara em um abismo de trinta metros de altura, perto da fazenda dele. Disse ao rapaz que não haveria sessão da câmara hoje, porque, além do acidente com nosso digníssimo presidente, metade de nossos edis estaria ausente do plenário, alguns em viagem, outros por enfermidade.


Não lhe posso dar maiores detalhes a respeito do acidente com o Dr. Ventura, porque nada sei. Acredito que deve ter se machucado bastante e que esteja mal, pois cair de uma altura destas é quase morte certa. Não pude eu mesmo ir à Fazenda das Acácias porque estou sem condução, já que meu carro está enguiçado. A notícia me foi trazida pelo Sr. Tião de tal (caseiro de meu sítio, localizado perto da referida fazenda).


Solicito-lhe a gentileza de comunicar-me quaisquer outras informações que conseguir a respeito do caso.


Atento, criado e obrigado,


Ver. Cláudio Carvalho."


 

- Dr. Sales, o senhor aceita um conselho meu? Acho melhor o senhor não assinar este decreto hoje. Não sabemos nem se o Dr. Ventura morreu ou qual a extensão dos ferimentos dele. Imagine se o senhor assinar isso e o homem ainda estiver vivo? Vai ser um fiasco. Vão dizer que o senhor está querendo enterrá-lo mais depressa porque ele é da oposição, o senhor sabe como este pessoal aproveita para fazer uma fofoca danada por qualquer coisinha.


O prefeito resolveu atender à secretária. Ela era pessoa muito sensata e equilibrada, tinha a cabeça no lugar certo, ainda mais que ele mesmo. Chegou o fim do expediente. O pessoal saiu para casa na incerteza. Seria feriado ou não, o dia seguinte? Que aborrecimento!


- Perder a gente não perde. Fica para sexta feira. A gente assa o pernil hoje mesmo, para não estragar. Não temos geladeira...


D. Vita nem queria saber da história. Desde que tinham lhe contado a notícia de que no dia seguinte seria feriado, tinha aproveitado para adiantar as coisas da família. Era mulher diligente, não ia deixar de aproveitar a oportunidade. Tinha metido as roupas das crianças no tanque, estava tudo molhado. Como é que os meninos iriam ao Grupo Escolar no dia seguinte, se o feriado não fosse decretado? Até os tênis ela aproveitara para lavar. Seriam dois feriados, mais sábado e o domingo. Daria tempo bastante para secar. Que o Gonçalves não lhe viesse agora com a história de que o dia seria de expediente normal na quinta-feira!


E mais: já dissera às vizinhas o que tinha ficado sabendo e todas haviam  aproveitado para fazer uma porção de coisas que vinham adiando há muito. D. Zilda, por exemplo, mandou comprar passagens para si e os três filhos no primeiro ônibus especial. O da carreira já estava lotado e assim mesmo ela só conseguiu lugar na cozinha. A mulher do Seu Firmino tinha contado ao marido a novidade e ele não teve dúvidas. Sabendo que teria folga por quatro dias, conseguiu um companheiro e ambos destelharam o barracão, para refazer a cobertura.


- Você já imaginou eu ter que ir dizer a essa gente que a notícia era falsa? perguntou D. Vita furiosa. Vá você, eu é que não tenho cara para isso!


Seu Gonçalves pediu calma à mulher. Talvez o dia seguinte viesse mesmo a ser feriado. Se tudo fosse confirmado, o prefeito assinaria o decreto ainda mesmo pela manhã e tudo seria fechado. E se não fosse?


- E as providências que já tomei? E as roupas das crianças para a escola, diga, homem, diga!


O Sr. Alberto ficou na maior preocupação.


- Já pensou se eu tiver que devolver ao pessoal as passagens que eles compraram? Não dá mesmo. Contando com a renda extra até já telefonei ao Correia encomendando uma porção de peças para os ônibus. Não dá mais para cancelar a encomenda. A firma já encerrou o expediente. A esta altura ele já deve ter até despachado a mercadoria. Amanhã vai ser um azar na Rodoviária. Ah, mas os ônibus vão partir assim mesmo. Eu não anunciei a ninguém que seria feriado. Disse apenas que ia colocar os dois extras. Quem comprou e tiver que perder a viagem, que se fomente. Ainda bem que eu mandei imprimir nas passagens que não se devolve o dinheiro a quem desiste de viajar.


Na gráfica – D. Sílvia não tinha mandado dizer coisa alguma sobre suspender a publicação – o Dr. Matos contemplou o jornal já impresso. Ao invés das costumeiras quinhentas cópias, imprimiu mil. Ficou satisfeito com a disposição da matéria. Até um clichê ele usou. Como é bom a gente ser cuidadosa com material usado no passado! Pode-se reaproveitar muita coisa! Deixando os jornais prontos para serem distribuídos no dia seguinte pela molecadinha costumeira que lhe servia de agência vendedora, o redator foi para casa. Nada alegra mais ao jornalista que a sensação do dever cumprido: noticiar os fatos à medida que vão acontecendo!


Os funcionários tinham ido embora, mas D. Sílvia – autorizada pelo prefeito – ficou com o continuo à sua disposição. Mais o chofer. Ela precisava esclarecer toda a história. O jeito era sair para a fazenda do Dr. Ventura, mesmo à noite. A estrada era perigosa, mas o que é que se podia fazer? Não tinha outra solução. Alguém tinha que ir descobrir a verdade. Como nenhum dos três jamais havia ido à Fazenda das Acácias, apanharam o Carlinhos que tinha se disposto a ajudar. Ele iria indicando a direção a escolher em cada encruzilhada.


Ao passarem pelo mata-burro da Fazenda do Tropeiro, tiveram que parar para abrir a porteira. Toparam com o José Felício, vindo para casa. O roceiro e o Carlinhos conversaram um pouco. A informação ficou ainda mais confusa. O Dr. Ventura não estava mesmo na fazenda. Pelo que ele sabia, o homem estava em São Paulo. Tinha ido em um carro particular. O dele ficara destroçado no acidente. Durante toda a tarde, os homens tinham tentado retirar o carro do lugar onde tinha caído, mas não tinham conseguido. O pior é que ele tinha se incendiado ao bater lá em baixo. Não tinha sobrado coisa alguma, a não ser a lataria.


- Será que o Doutor saiu antes do fogo começar? Se não conseguiu ele deve estar todo queimado. Mesmo assim ele deve estar todo quebrado. Senão eles o teriam levado para a cidade ou para Taubaté, nunca para São Paulo. Quando alguém é levado para a Capital é porque os recursos locais tinham se esgotado!


Seu Fafá fez um comentário qualquer sobre as possibilidades de sobrevivência mínimas do presidente da Câmara. Ninguém respondeu. Continuaram a seguir pela estradinha, agora apenas vendo o que os faróis permitiam. Iam devagar. Pra que correr ao encontro dos mortos e morrer também?


Finalmente avistaram a casa grande. Foi aí que começaram a perguntar uns aos outros como é que iriam fazer para entrar. Perguntar pelo Dr. Ventura? Fazer como quem não sabe de nada? Ou chegar já dando os pêsames? Difícil chegar a um lugar assim, quando a gente está na dúvida.


- Na hora a gente vê como fazer, o Carlinhos decidiu a questão.


Estranho! Nenhum movimento extra. As coisas aparentemente estavam normais. Certamente deveria haver mais luzes na casa. Tudo estava como sempre, apenas a lâmpada da varanda, alumiando um trecho do pátio. Pouco adiantava aquela claridade. Lampião de querosene não nasceu para acabar com as trevas.


Chegaram perto da porteira. Não foi preciso que o chofer buzinasse.


O barulho do carro na noite silenciosa da fazenda trouxe ao encontro deles o José Garcia. Reconheceu logo o Carlinhos.


- É, era verdade. O carro do Dr. Ventura tinha perdido os freios na manhã daquele dia, caído pela ribanceira, se arrebentado todo. Havia pegado mesmo fogo. A culpa era do próprio patrão. Já fazia muitos dias que o Tancredo mecânico tinha dito que os tirantes estavam quase soltos. O advogado tinha pressa, não tinha feito o conserto na hora. Agora o carro tinha virado caco.


- Não, que ideia louca! Nada tinha acontecido com o Doutor. Ele nem estava no carro quando o bicho despencou pela ladeira abaixo. Tinha descido para examinar um lugar da cerca, por onde alguns bois tinham escapado. Foi naquela mesma hora que o freio do carro se soltou. A sorte é que não tinha ninguém na frente. A Rural desceu um trecho pela estrada, mas ao chegar na curva continuou em frente a lá se foi pelo buraco a dentro. Uns trinta metros, mesmo, desde o lugar de onde saiu até o ponto onde caiu.


- Ah, sim, o Doutor tinha ido a São Paulo porque já sabia desde o dia anterior que não ia ter número suficiente de vereadores no dia seguinte para a sessão. Tinha gente doente, outros viajando. Sabe como é...


- Mas façam o favor. Vamos entrar para um café com broa. A Vilma acabou de pôr a água no fogo agora mesmo. Tá quase fervendo... 

Comentários

  1. Gostei tanto que vou ler sem parada nem pra um café, o próximo conto.

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    1. Receber um comentário como este de uma pessoa como você é um grande incentivo e, ao mesmo tempo, um tremendo desafio!

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  2. Muito bom, Sérgio. Gostei muito. Também vou ler o próximo.

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  3. Se fosse um único conto poder-se-ia dizer tratar-se de resultado de toda uma vida, uma inspiração antiga que desova em algum momento. Mas são dois!! Talento perdido? Vocação tardia? Mistério misterioso!!

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  4. Muito bom! Com gosto de quero mais.

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  5. Miro bom , a gente começa a ler e não consegue parar .

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